20.11.10

moscas

Eu sei onde fica o paraíso, por Roya

Eu sei onde fica o paraíso. Vem-me sempre à memória quando penso na minha infância.

E também sei a morada do Inferno. É onde eu vivo agora.

Eu era uma menininha engraçada, gorducha. Vestia vestidos curtos e calçava sapatos bonitos. Tinha um chapéu-de-chuva colorido decorado com bonecos; era muito engraçado – como também eu era. No Inverno, adorava ir brincar para neve e fazer bolas de neve. Punha um gorro e um cachecol, vestia umas calças quentinhas e um casaco muito quentinho. Parecia um leão, mas o meu pai chamava-me Tigre.

Quando era criança, gostava muito de coisa engraçadas. Por exemplo, gostava de andar sempre a comer. Levava à boca tudo o que apanhava à mão – fosse comestível, ou não fosse. A minha Mãe cozinhava muito bem. As suas sopas eram fantásticas – com um aroma espectacular. A minha Mãe tinha umas mãos suaves e delicadas; sabiam às especiarias que ela usava. Também gostava das tampas das canetas – mas não sei por que não gostava das canetas!

Gostava de usar o baton da minha Mãe. Sempre que a apanhava distraída, pegava no baton e pintava a minha cara toda. Um dia, estava a pintar o meu pescoço e o baton partiu-se. Escondi-o rapidamente debaixo da mesa, mas nesse preciso instante, a minha Mãe apareceu e ralhou comigo. Eu estava a pensar como era fantástica estar a comportar-me como uma adulta; então olhei para o céu e pedi a Deus que me levasse rapidamente para a idade adulta, para poder usar batons sempre que me apetecesse. Também pedi para ter um baton que fosse só meu. Agora, eu tenho muitos batons – mas quase não os uso.

Quando eu era pequenina, apaixonei-me por cabelos compridos. Sonhava deixar crescer o meu cabelo para a lua e sonhava que a lua — porque seria como os meus longos cabelos dourados — se tornasse minha amiga. Ponha fios pretos compridos na minha cabeça e abanava-a, fingindo que eram os meus cabelos. O meu cabelo era castanho, os fios eram pretos, mas não fazia mal. Eu decidi que, quando crescesse, ambas as cores iriam mudar.

Também gostava de usar sapatos altos. Ó, meu Deus, como eu gostava de me ver a andar de sapatos altos. Tac, tac, tac — esta era a voz dos meus sapatos que me transportavam para um mundo de sonho que se tornava realidade por um instante. Eu usei sapatos belíssimos durante algum tempo, mas agora o tac, tac, tac foi silenciado e eu só uso sapatos confortáveis.

Tinha três bonecas: Nazo, Farida e Fátima. Todos os dias, fazia-lhes festas de casamento – tiveram mais de mil maridos! Não sonhava com nenhum marido para mim, mas dava-lhes longos conselhos sobre a vida e os relacionamentos.

Eu partilhava tudo com elas. Queria que as minhas bonecas fossem felizes e elas mantinham-se sempre caladas. Decidi que elas não me podiam contar os seus sonhos porque eram horas de elas irem para cama.

Lembro-me da voz da minha Mãe. O almoço está pronto, filhota. Lava as mãos e vem comer!” Detestava ter de fazer aquela pequena paragem para ir lavar as mãos antes de poder atacar a comida maravilhosa da minha Mãe. Gostava muito da canção do meu gato. Todas as manhãs. Ele cantava Miau, miau.

Gostava de matar moscas ou aprisioná-las! A prisão era feita de papel e Madeira muito fininha e tinha uma porta. Eu era a guarda e era cruel. O meu gato era o meu chefe. Eu dizia-lhe que crimes as moscas tinham feito e pendurava-as na parede.

A vida era doce tal como os chocolates. Mas quando me tornei adulta a vida mudou. A liberdade foi-se. Quando eu me ria, as pessoas diziam que eu era maluca. Quando eu chorava, diziam que eu era uma criança. Quando eu dizia a verdade, gritavam que era mentira. Quando eu dizia que algo estava certo, eles diziam que estava errado. Quando eu amava, diziam que era pecado. É por isso que, para mim, a vida é um Inferno.

Tenho saudades da minha infância. Eu tocava nas estrelas nos meus sonhos. Mas será que eu pensava que as moscas eram criminosas só porque eram moscas?

Retirado de http://www.aaaio.pt/public/ioand735.htm

Afghan Women's Writing Project http://www.awwproject.org./