22.9.06

Hotel Toffolo

E vieram dizer-nos que não havia jantar.
Como se não houvesse outras fomes e outros alimentos.

Como se a cidade não nos servisse o seu pão de nuvens.

Não, hoteleiro, nosso repasto é interior
e só pretendemos a mesa.
Comeríamos a mesa, se no-lo ordenassem as Escrituras.
Tudo se come, tudo se comunica,
tudo, no coração, é ceia.


Carlos Drummond de Andrade, in Claro Enigma, 1951.

14.9.06

O convite, de Oriah Mountain Dreamer

Não me interessa o que fazes na vida. Quero saber o que anseias, e se te atreves a sonhar alcançar o desejo do teu coração.

Não me interessa que idade tens. Quero saber se arriscas fazer figuras tolas por amor, pelo teu sonho, pela aventura de se estar vivo.

Não me interessa saber que planetas estão em quadratura com a tua lua. Quero saber se tocaste o centro da tua própria dor, se as traições da vida te abriram ou se secaste e te fechaste com medo de outros sofrimentos! Quero saber se consegues sentar-te com a dor, minha ou tua, sem te mexeres para a esconder, disfarçar ou compor.

Quero saber se consegues estar em alegria, minha ou tua, se consegues dançar loucamente e deixar que o êxtase te encha até às pontas dos pés e das mãos sem nos advertires para termos cuidado, sermos realistas, ou nos relembrares as limitações de se ser humano.

Não me interessa se a história que me contas é verdadeira. Quero saber se consegues desapontar outra pessoa para seres fiel a ti; se consegues suportar a acusação de traição e não atraiçoares a tua própria alma; se consegues estar sem amarras e mereceres, por isso, confiança.

Quero saber se consegues ver beleza todos os dias, mesmo quando o que vês não é bonito, e se consegues alimentar a tua própria vida da sua presença.

Quero saber se consegues viver com o fracasso, teu e meu, e mesmo assim erguer-te à beira do lago e gritar “Sim!” à prata da lua cheia.

Não me interessa saber onde vives nem quanto dinheiro tens. Quero saber se depois de uma noite de dor e desespero, em exaustão, a doer até aos ossos, consegues levantar-te e fazer o que é preciso para alimentar as crianças.

Não me interessa quem tu conheces, nem como chegaste aqui. Quero saber se ficarás comigo no centro do fogo sem recuar.

Não me interessa onde ou o quê ou com quem estudaste. Quero saber o que te sustém, por dentro, quando tudo o mais desaba à tua volta.

Quero saber se consegues estar só contigo e se gostas verdadeiramente da companhia que és nos momentos vazios.

The Invitation, Oriah Mountain Dreamer, 1999.

13.9.06

Por quem os sinos dobram

Nenhum homem é uma ilha, completo em si mesmo; todo homem é pedaço do continente, uma parte do todo. Se um pedaço de terra for arrastado pelo mar, a Europa diminui, como se tivesse sido arrastado um promontório, a casa de amigos teus ou a tua própria casa: a morte de um homem diminui-me, porque pertenço à humanidade. Por isso, não perguntes nunca por quem os sinos dobram - dobram por ti.


No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be washed away by the sea, Europe is the less, as well as if a promontory were, as well as if a manor of thy friend's or of thine own were: any man's death diminishes me, because I am involved in mankind, and therefore never send to know for whom the bells tolls; it tolls for thee.

John Donne, Devotions Upon Emergent Occasions - XVII, 1624.

Saber e não agir é não saber absolutamente nada.

1.9.06

respondeste-lhes apenas com



Ó doce espontânea
terra quantas vezes os
tontos

dedos de filósofos lascivos
te
apalparam
e
beliscaram,

o polegar travesso
da ciência aguilhoou
a tua

beleza, quantas
vezes as religiões te colocaram
nos seus joelhos esqueléticos
apertando-te e

fustigando-te para que concebesses
deuses
(mas
fiel

ao incomparável
leito da morte,
tua amante
no ritmo

respondeste-lhes

apenas com

a primavera)

e.e.cummings

O sweet spontaneous
earth how often have
the
doting

fingers of
prurient philosophers pinched
and
poked

thee
, has the naughty thumb
of science prodded
thy

beauty , how
often have religions taken
thee upon their scraggy knees
squeezing and

buffeting thee that thou mightest conceive
gods
(but
true

to the incomparable
couch of death thy
rhythmic
lover

thou answerest


them only with

spring)

e.e.cummings