25.9.21

 Medeia

(adaptado de Ovídio)


Três vezes roda, três vezes inunda

Na água da fonte os seus cabelos leves,

Três vezes grita, três vezes se curva

E diz: "Noite fiel aos meus segredos

Lua e astros que após o dia claro

Iluminais a sombra silenciosa

Tripla Hecate que sempre me socorres

Guiando atenta o fio dos meus gestos

deuses dos bosques, deuses infernais

Que em mim penetre a vossa força

Pois ajudada por vós posso fazer

Que os rios por entre as margens espantadas

Voltem correndo às suas fontes

Posso espalhar a calma sobre os mares

Ou enchê-los de espuma e fundas ondas

Posso chamar a mim os ventos

Posso largá-los cavalgando nos espaços

As palavras que digo e os gestos

Que em redor do seu som no ar disponho

Torcem longuínquas árvores e os homens

Despedaçam-se e morrem no seu eco

Posso encher de tormento os animais

Fazer que a terra cante, que as montanhas

Tremam e que floresçam os penedos."


Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do mar, 1947.