21.3.11

Dante responde a Beatriz

Irei por montes
do que é alma tua
e em teus olhos verei,
amada alma,

o centro dos meus olhos:
a mais perfeita esfera
como a íris
do mundo que te habita

Guardarei os teus sonhos
com o manto
mais brando do pensar

E das fronteiras
que mais longe forem
hei-de trazer-te flores,
e mel, e riso

Pressentirás, então,
o que a nem Deus
ousara confessar:

que Deus sucumbiria
ao teu olhar,
ou por ele trocava Glória
e Tempo

Ana Luísa Amaral, em A Génese do Amor, 2005.

18.3.11

Se escolheres para marido da tua filha um sábio, entrega-lhe o livro. Um homem protege melhor dois tesouros do que um. Com mais responsabilidade fica mais forte.

em Histórias Falsas, Gonçalo M. Tavares, 2005.

11.3.11

faudrait voir, faut qu'on y goûte

ouvir
je n'ai pas peur de la route
faudrait voir, faut qu'on y goûte
des méandres au creux des reins
et tout ira bien là
le vent nous portera

ton message à la grande ourse
et la trajectoire de la course
un instantané de velours
même s'il ne sert à rien va
le vent l'emportera
tout disparaîtra mais
le vent nous portera

la caresse et la mitraille
et cette plaie qui nous tiraille
le palais des autres jours
d'hier et demain
le vent les portera

génetique en bandouillère
des chromosomes dans l'atmosphère
des taxis pour les galaxies
et mon tapis volant dis ?
le vent l'emportera
tout disparaîtra mais
le vent nous portera

ce parfum de nos années mortes
ce qui peut frapper à ta porte
infinité de destins
on en pose un et qu'est-ce qu'on en retient?
le vent l'emportera

pendant que la marée monte
et que chacun refait ses comptes
j'emmène au creux de mon ombre
des poussières de toi
le vent les portera
tout disparaîtra mais
le vent nous portera
Noir Désir, Le Vent Nous Portera, em Des visages des figures (2001).

9.3.11

Não sei por que razão o mundo se inquieta
quando estamos sozinhos. Talvez não saiba
que esgotámos os olhos no rigor dos espelhos
e que, por isso, não somos capazes de traçar
um caminho senão para o evitarmos. Na verdade,

se cai a noite, estiolam-se as aventuras entre nós –
o teu silêncio respira longamente, às vezes
paira sobre as dunas do meu corpo a conspirar,
como um tear de nuvens a fiar tempestades
ou um vento salgado a prometer naufrágios;
mas nunca converte o assomo numa história.

Não sei porque se aflige tanto o mundo
se ficamos sozinhos. Talvez ignore
que nós não somos mar de nenhuma praia,
que escolhemos poupar às falésias as cicatrizes
das ondas; e tudo para não aprendermos
o verdadeiro nome das feridas.

Maria do Rosário Pedreira

[in revista Relâmpago, n.º 22, 2008]