30.1.14

tudo lhe parece um prego.

A quem só tem um martelo,

27.1.14

You are welcome to Elsinore


Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny
Pena Capital
Lisboa, Assírio & Alvim, 1982

Explicação da Eternidade

devagar, o tempo transforma tudo em tempo. 
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim. 

 
José Luís Peixoto


20.1.14

Passou-se alguma coisa no interior da linguagem que modificou radicalmente a sua natureza.

Foucault

19.1.14

Pedia-lhe, o melhor que soubesse,

uma grande paciência para tudo o que ainda não estiver resolvido no seu coração. Esforce-se por amar as suas próprias dúvidas como se cada uma delas fosse um quarto fechado, um livro escrito em língua estrangeira. Não procure, por enquanto, respostas que não lhe podem ser dadas, porque não saberia ainda pô-las em prática, vivê-las. E trata-se, precisamente, de viver tudo. De momento, viva apenas as suas interrogações. Talvez que, simplesmente vivendo-as, acabe um dia por penetrar insensivelmente nas respostas

Rilke, Cartas a um jovem poeta

A verdade é definida como

a conformidade da coisa com a inteligência.

Tomás de Aquino

14.1.14

Escada sem corrimão

É uma escada em caracol
E que não tem corrimão
Vai a caminho do Sol
Mas nunca passa do chão
Os degraus quanto mais altos
Mais estragados estão
Nem sustos nem sobressaltos
Servem sequer de lição
Quem tem medo não a sobe
Quem tem sonhos também não
Há quem chegue a deitar fora
O lastro do coração
Sobe-se numa corrida
Corre-se perigos em vão
Adivinhaste... é a vida
A escada sem corrimão

David Mourão-Ferreira
Cantada por Camané aqui

9.1.14

Noth­ing is too amaz­ing to be true

Fara­day
A tese central assenta na noção de convivialidade, que não é apenas a de um convívio entre parceiros, mas a da coabitação entre diferentes, com todas as tensões e conflitos que tal coabitação pressupõe. Mas a grande questão não é só a da convivialidade, que, a acontecer, é em si um bem. O que fica por resolver é saber em que sociedade se supõe que esta convivialidade seja exequível. Um dos embaraços do pensamento contemporâneo tem sido o de, ao mesmo tempo que se recusa o modelo actual e injusto das sociedades contemporâneas, ser capaz de equacionar outro modelo de sociedade. Parece que estamos «à porta» do enunciado, mas é difícil abri‑la.
Para tanto, é necessário redescobrir com premência um novo valor para a prática do distanciamento sistemático das nossas próprias culturas de origem.

A urgência da teoria, 2007.