7.12.22

1

o mais belo é o objeto

que não existe

ele não serve para carregar água

nem para preservar as cinzas de um herói

não foi acalentado por Antígona

nem nele um rato se afogou

de orifício, nenhum resquício

pois é completamente aberto

visto

de todos os lados,

quase não é

antevisto

os feixes

de todas as suas linhas

confluem

num jato de luz

nem cegueira

nem

morte

podem roubar o objeto

que não existe

2

marque o lugar

onde ficava o objeto

que não existe

com um quadrado negro

ele será

um mero réquiem

pela bela ausência

vigoroso lamento

aprisionado

num quadrilátero

3

agora

todo o espaço

dilata-se como um oceano

um furacão fustiga

o veleiro negro

a asa de uma nevasca

circunda o quadrado negro

e a ilha submerge

sob a disseminação salina

4

o que se tem agora

é espaço vazio

mais belo que o objeto

mais belo que o lugar que ele deixa

é o antemundo

um paraíso branco

de possibilidades

lá você pode entrar

gritar

vertical-horizontal

relâmpagos perpendiculares

golpeiam o horizonte nu

podemos parar aqui

de todo modo você já criou o mundo

5

oriente-se

pelo olho interior

não se renda

a murmúrios sussurros estalidos

é o mundo não criado

impresso nos portões da paisagem

anjos ofertam

chumaços rosados das nuvens

por toda parte árvores implantam

filamentos verdes desalinhados

reis celebram a púrpura

e comandam trompetistas

auricolores

até a baleia pede um retrato

oriente-se pelo olho interior

nada aceite além

6

extraia

da sombra do objeto

que não existe

do espaço polar

das inflexíveis quimeras do olho interior

uma cadeira

bela e inútil

como uma catedral no deserto

ponha sobre a cadeira

uma toalha de mesa amarrotada

adicione à ideia de ordem

a ideia de aventura

que seja uma confissão de fé

diante do vertical em combate com o horizontal

que seja

mais silenciosa que anjos

mais orgulhosa que reis

mais verdadeira que uma baleia

que tenha a face das últimas coisas

pedimos que desvele, cadeira

as dimensões do olho interior

a íris da necessidade

a pupila da morte


"Estudo do objeto"

Zbigniew Herbert

Tradução: Rogério Bettoni

roubado daqui

2.12.22

 o voo aborta sempre.

Ainda que em chão de lua,

todo o destino é o chão.


Adélia Prado, roubado daqui