À medida que o medo envelhece
O meu corpo acusa o peso do cansaço
E pede-me que liberte a carga que puder
Por isso esvazio os bolsos de segredos
Liberto amor da prisão do peito
Abro mão de orgulho
E levito frágil
Manel Cruz, 2022
roubado daqui
À medida que o medo envelhece
O meu corpo acusa o peso do cansaço
E pede-me que liberte a carga que puder
Por isso esvazio os bolsos de segredos
Liberto amor da prisão do peito
Abro mão de orgulho
E levito frágil
Manel Cruz, 2022
roubado daqui
Se posso perdonare, allora devo
riuscire a perdonare anche me stessa
e smetterla di starmi a giudicare
per come sono o come dovrei essere.
Qui non si tratta di consapevolezza
ma è la superbia che mi tiene stretta
in una stolta morsa che mi danna.
Eccomi infatti qui dannata a chiedermi
che cosa fare per essere perfetta.
Tenersi all’apparenza, forse descrivere
soltanto cose in mutua tenerezza.
Patrizia Cavalli, 1947-2022
Vita meravigliosa
"O Mal, todo o Mal, já foi tratado, falta agora tratar o bem, respondeu, lapidar."
O mal
é banal
O mistério
maior
é o mistério
do bem
Adília Lopes
roubado daqui
o recurso mais democrático que conheço - igual para todos, e o que faz a diferença é a forma como o utilizamos, como criamos prioridades, como o gerimos.
Armanda Martins, 2022
O mais feroz dos animais domésticos
é o relógio de parede:
conheço um que já devorou
três gerações da minha família.
Mario Quintana
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que ficar a sós
Tenho que apagar a luz
Tenho que calar a voz
Tenho que encontrar a paz
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar
Gilberto Gil
Com fúria e raiva acuso o demagogo
E o seu capitalismo das palavras
Pois é preciso saber que a palavra é sagrada
Que de longe muito longe um povo a trouxe
E nela pôs sua alma confiada
De longe muito longe desde o início
O homem soube de si pela palavra
E nomeou a pedra a flor a água
E tudo emergiu porque ele disse
Com fúria e raiva acuso o demagogo
Que se promove à sombra da palavra
E da palavra faz poder e jogo
E transforma as palavras em moeda
Como se fez com o trigo e com a terra
Sophia, Junho de 1974
ouvindo Capicua, n'O Poema Ensina a Cair
...temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferioriza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualdade nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades.
Boaventura de Sousa Santos.
Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitanismo multicultural. Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003: 56.
Tiziano Terzani, um conhecedor de mão cheia da Ásia Oriental, em Disse-me um Adivinho (Tinta-da-China, 2009): “Não é de admirar que a depressão seja hoje um mal tão comum. É quase reconfortante. É sinal que no íntimo das pessoas ainda resta o desejo de serem mais humanas”.
Roubado daqui
Einstein defendia que “O acaso é a nossa ignorância”. Concordo. Não me parece importante dar um nome à força que mexe os cordelinhos. O importante é sentir. E saber observar. Se a maioria das pessoas não se interessa pelas aves que chegam e que partem, pelos seus diálogos e chamamentos, como podemos esperar que reparem em brisas e direções do vento? Mas concordam, sem avaliar, que “Nada se perde; tudo se transforma”. Precisamos da muleta “acreditar”? O hábito faz o monge. Mas o “hábito” vai para além da roupa, também é sinónimo de repetição das mesmas tarefas – e isso é que, mais do que tudo, faz o monge.
Roubado daqui (dos Comentários).
Medeia
(adaptado de Ovídio)
Três vezes roda, três vezes inunda
Na água da fonte os seus cabelos leves,
Três vezes grita, três vezes se curva
E diz: "Noite fiel aos meus segredos
Lua e astros que após o dia claro
Iluminais a sombra silenciosa
Tripla Hecate que sempre me socorres
Guiando atenta o fio dos meus gestos
deuses dos bosques, deuses infernais
Que em mim penetre a vossa força
Pois ajudada por vós posso fazer
Que os rios por entre as margens espantadas
Voltem correndo às suas fontes
Posso espalhar a calma sobre os mares
Ou enchê-los de espuma e fundas ondas
Posso chamar a mim os ventos
Posso largá-los cavalgando nos espaços
As palavras que digo e os gestos
Que em redor do seu som no ar disponho
Torcem longuínquas árvores e os homens
Despedaçam-se e morrem no seu eco
Posso encher de tormento os animais
Fazer que a terra cante, que as montanhas
Tremam e que floresçam os penedos."
Sophia de Mello Breyner Andresen, Dia do mar, 1947.
Are you willing?
This winter
the loons came to our harbor
and died, one by one,
of nothing we could see.
A friend told me
of one on the shore
that lifted its head and opened
the elegant beak and cried out
in the long, sweet savoring of its life
which, if you have heard it,
you know is a sacred thing.,
and for which, if you have not heard it,
you had better hurry to where
they still sing.
And, believe me, tell no one
just where that is.
The next morning
this loon, speckled
and iridescent and with a plan
to fly home
to some hidden lake,
was dead on the shore.
I tell you this
to break your heart,
by which I mean only
that it break open and never close again
to the rest of the world.
"Lead", de Mary Oliver, em New and Selected Poems, Volume Two
roubado daqui
[...] porque não há como viver com as consequências para perceber a razão de ser das coisas
Isabel Stilwell, roubado daqui.
Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar,
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que tu respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.
Sophia
Roubado daqui
it degrades, disintegrates, or else it is capable of creating a process of metamorphosis. The probable is disintegration. The improbable but possible is metamorphosis.
Edgar Morin, roubado a António Nóvoa
de Nicholas Lens & Nick Cave
ouvir esta e todas as outras!
Where are you?
Where are you?
Become yourself
Become yourself
So I can see you
Where are you?
Become yourself
Where are you?
Where are you?
Where are you?
Become yourself
So I can see you
So I can see you
'Cause you got me marching
You made me move
Shadow boxing, wanna love
The top of the proof
You got me talking
You know the truth
You're a speechless crazy pantomine
Priest without a tooth
You got me walking
You made me smooth
Like a satellite plastic ping-pong ball
Bouncing down at you
Sliver Lane
I'm back again
de Sophie Hunger
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão ,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!
Ou guardo dinheiro e não compro o doce,
ou compro o doce e não guardo o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo.
Cecília Meireles
roubado daqui
ouvir Grave digger, de Dave Matthews
1
A pé e alegre dirijo-me para a estrada larga,
Saudável, livre, o mundo à minha frente,
Diante de mim o longo e castanho caminho leva-me para onde eu quiser.
Daqui em diante nada peço à sorte, ei próprio sou a sorte,
Daqui em diante não mais me lamentarei, nada mais adiarei, de nada precisarei,
Deixo as queixas dentro de casa, as bibliotexas, as críticas impertinentes,
Forte e satisfeito viajo pela estrada larga.
A terra, e nada mais,
Não quero as constelações mais perto,
Sei que estão muito bem onde estão,
Sei que são suficientes àqueles que lhes pertencem.
Mesmo aqui carrego os meus velhos e deliciosos fardos,
Carrego-os, homens e mulheres, carrego-os comigo para onde quer que vá,
Juro que é impossível livrar-me deles,
Deles estou cheio e hei-de enchê-los por minha vez).
[...]
em Folhas de Erva, Walt Whitman
Um monge decide meditar sozinho.
Longe de seu mosteiro, ele toma um barco e vai até ao meio do lago, fecha os olhos e começa a meditar.
Depois de algumas horas de silêncio imperturbável,
ele de repente sente o golpe de outro barco batendo no dele. Com os olhos ainda fechados, ele sente a raiva crescer e, quando abre os olhos, está pronto para gritar com o barqueiro que ousou atrapalhar sua meditação.
Mas quando ele abriu os olhos,
viu que era um barco vazio, não amarrado, que flutuava no meio do lago...
Nesse momento, o monge alcança a auto-realização e entende que a raiva está dentro dele;
ele simplesmente precisa da batida de um objeto externo para provocá-lo.
Depois disso, sempre que conhece alguém que irrita ou provoca sua raiva, ele se lembra;
a outra pessoa não passa de um barco vazio.
A raiva está dentro de mim.
Thich Nhat Hanh